Hoje, dia 17 de maio é comemorado o Dia Internacional de Luta contra a LGBTfobia. A data remete à maio de 1990 quando a homossexualidade foi excluída da lista de distúrbios mentais do Código Internacional de Doenças, pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Porém se a homossexualidade ainda não é mais uma patologia, tão pouco deixaram de existir as violências e as estruturas homofóbicas e lgbtfóbicas em nossa sociedade, Quem dirá ainda aquelas relacionadas à transexualidade que só passou de ser considerada doença mental pela OMS a pouquíssimo tempo, em 2018.
De maneira geral, mulheres e homens LGBT ainda enfrentam a negação de sua identidade e afetividade, sofrem violência no contexto familiar, social e no trabalho, assim como têm maior risco de sofrer de ansiedade e depressão, de uso abusivo de substâncias lícitas e ilícitas e também maior risco de suicídio, quando comparados com a população cis e heterossexual. No Brasil, a LGBTfobia alcança níveis ainda mais alarmantes: A cada 23h, uma brasileira(o) morre vítima de LGBTfobia¹ no país e lideramos o ranking mundial de assassinatos de pessoas trans². Não é nada seguro ser uma pessoa LGBT vivendo aqui.
Ainda lembramos, que todo esse contexto pode ser ainda piorado pela epidemia do coronavírus(COVID-19/Sars-Cov2). Mesmo sem ainda levantamentos cruzados sobre as condições socioeconômicas e de Saúde dessas populações, a ONU já pontuou que conforme visto no passado, as crises humanitárias e de Saúde tendem a agravar os contextos de estigma, discriminação e violência estrutural contra mulheres e minorias³. Além disso, sabemos por exemplo das dificuldades do acesso e a precarização do trabalho das pessoas trans, sobretudo das mulheres trans, que as deixam mais vulneráveis a pandemia, assim como as violencias lésbofobicas vividas pelas mulheres lésbicas no contexto familiar e social, e a e a homofobia e a bifobia generalizada vivida por mulheres e homens bissexuais.
Por isso, neste 17 de maio, a CAMTRA destaca a voz e a vivência de 3 mulheres LBTs ( lesbicas, bissexuais e transsexuais/travestis) e como elas vêem e têm encarado esse momento atual. Reforçamos o repúdio contra todas as formas de LGBTfobia, e a garantia do respeito, das condições de vida e trabalho dignas, e do exercício pleno e livre da afetividade e sexualidade de todas as pessoas LGBTS! Que seja justa e respeitada todas as formas de amor!
Confira os depoimentos:
Lana de Holanda – Mulher trans, comunicadora, feminista e ecossocialista
A pandemia é um fenômeno que leva o caos para a imensa maioria da população, fornada sobretudo por mulheres e homens da classe trabalhadora. Mas, como em qualquer outra situação extrema, a vida das mulheres sempre é a mais afetada de forma negativa por essa realidade. E quando olhamos especificamente para a realidade das mulheres trans, aí a situação ruim se acentua de forma gritante!
A imensa maioria de nós, mulheres trans e travestis, infelizmente estão sujeitas à prostituição e outros trabalhos muito precarizados, como a única forma de subsistência, na maioria das vezes. Como cumprir a quarentena e o isolamento social, se não existe o que comer dentro de casa? Nesse sentido, as redes de solidariedade tem sido muito importantes, através da captação de cestas básicas e itens de higiene. Importantes, mas insuficientes.Outro complicador, que é comum em qualquer época, e que piora agora, é o fato das pessoas trans evitarem ao máximo buscar ajuda médica, devido à transfobia institucional. Mulheres trans, travestis, assim como o restante da população trans, ainda estão vivendo também a burocracia para poder ter acesso à renda básica emergencial. Triste!
Em momentos tão difíceis e tão duros, como agora durante a pandemia da Covid-19, fica muito mais explícito como algumas pessoas são consideradas menos humanas. Mas nós, trans e travestis, não abriremos mão da nossa humanidade e da nossa sobrevivência.
Leticia Vieira, mulher cis lésbica, feminista e consultora em gênero e direitos humanos
“A pandemia trouxe um cenário complexo em que as violências cotidianas marcadas por gênero, raça, orientação sexualidade, entre outros tornam-se mais (in)visíveis. No que diz respeito a mulheres lésbicas, eu destacaria principalmente o aumento de demonstrações de lesbofobia familiar.Permanecer em casa em confinamento representa para as mulheres muitas vezes estar mais próxima de seus algozes. O espaço privado, como sabemos, não é seguro para as mulheres em uma sociedade patriarcal e serve como um dispositivo de manutenção das normas sociais. Se para as mulheres heterossexuais o perigo pode ser representado não só, mas muitas vezes pelo parceiro, quando se trata de uma mulher lésbica, a violência pode vir potencialmente de outros membros da família como pais, tios e irmãos, em uma tentativa de punir a “transgressão” de normas sociais de gênero que é ser lésbica.
Nesse sentido, já temos casos de mulheres lésbicas expulsas de suas casas em plena pandemia. Temos casos de violências psicológicas e simbólicas aos montes e temos casos em que a experiência no lar, de confinamento passa a um cárcere privado, onde se aplica violência moral e tentativas de reversão sexual, incluindo inclusive estupro corretivo.
Sendo assim, as campanhas de combate à violência contra a mulher devem levar em conta precisam deixar de ser heterocentradas e levar em conta as violências a que mulheres lésbicas estão suscetíveis em lares conservadores, principalmente as mais jovens.”
Amanda Mendonça, bisexual, professora, pesquisadora, militante feminista e lgbt
O isolamento social, medida necessária para o enfrentarmos a pandemia e que atinge física emocionalmente todas as pessoas, para pessoas LGBTI+ tem proporções ainda maiores. Temos as mesmas preocupações que todos os demais e mais algumas especiais. Primeiro porque o isolamento tem feito com que familiares passem muito mais tempo juntos dentro de suas casas, trazendo à tona as contradições inerentes às relações familiares e muitas vezes violências. Além disso, nossa exposição é grande. Muitos e muitas de nós atuam no mercado informal e estão sem conseguir se sustentar nesse período.
E outro ponto grave que nos atinge em um momento como esse são os estigmas que criam da população LGBTI+ com a propagação de doenças. Para nós, bissexuais esse estigma é forte, pois somos consideradas promíscuas. E ainda há um discurso religioso que associa questões morais com a pandemia, e que também nos atinge. Aqui no Brasil, tem líder religioso que associa a pandemia ao carnaval, que diz que é punição para quem não se enquadra na identidade e na orientação sexual que eles defendem como “certa”, “normal”. Essa imagem de mulheres promíscuas, que propagam doenças, em um momento de pandemia se acentua e se torna mais um lá dificuldade a enfrentarmos.
Fontes:
¹Levantamento Grypo Gay da Bahia ( maior organização LGBT do Brasil): https://grupogaydabahia.files.wordpress.com/2019/01/relat%C3%B3rio-de-crimes-contra-lgbt-brasil-2018-grupo-gay-da-bahia.pdf
³http://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2020/03/ONU-MULHERES-COVID19_LAC.pdf